sábado, 28 de maio de 2016

Quem mandou usar saia curta?




A menina olhava fixamente para o nada,seu rosto nao exprimia sentimento algum.
Ela estava morta.
Quem olhasse aquele corpo frágil, machucado, violentado, nem reconheceria aquela menina durona, alegre, independente e sonhadora que ela foi quando viva.
Cheia de sonhos e planos, trabalhava e estudava, sonhava subir na vida sozinha, e nunca dependeu de homem nenhum pra nada.
Se orgulhava de ser mulher , gostava de se sentir sexy, tinha celulite e algumas gordurinhas, mas nunca teve vergonha  do próprio corpo. 
Gostava de beber um porre de vez em quando e nunca importou muito com a opinião alheia.
Mas agora ela é só uma casca vazia, com nojo de si mesma.
Já devia ter umas três semanas, que  mataram-na.
E foi  da forma mais cruel que existe, pois além de torturar, subjulgar, e matar, a deixaram viva. 
Revivendo todos aqueles momentos de horror até o fim de seus dias.
Seu coração ainda batia no peito, ainda tinha sangue correndo nas veias, mas vida mesmo, não.
Sua vida fora arrancada, por aqueles homens, junto com suas roupas e sua dignidade, naquela noite fria em que voltava de uma festa.
  Só o que sobrou daquela noite foi um corpo barbarizado e uma mente em frangalhos, cheia de nojo e culpa. 
Sim, culpa! 
Pois continuam assassinando a menina todos os dias, com frases do tipo: Quem mandou usar saia curta?quem mandou voltar da festa sozinha? Quem mandou? Praticamente pediu pra ser estuprada! Coitadinhos dos homens que não conseguiram dominar seus extintos vendo-a com aquela saia! Mereceu!
Pois é.... culpa dela!
 Quem é ela? Ela é A filha de um desconhecido aí , a irmã de alguém que você não conhece...
Ela é  aquela que passou no jornal ontem, aquela que você viu no Facebook hoje, e amanhã pode ser aquela sua irmã,  prima, ou melhor amiga... 
Quem mandou usar saia curta?

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Boas Garotas vão para o céu

Ele estava furioso.
Finalmente chegou no limite.
Não aguentava mais minha loucura, estava cansado daquela bagunça que era eu.
Queria um relacionamento leve,
sem brigas, nem tantos altos e baixos.
Sempre foi um cara pacato, politicamente correto, e bonzinho.
Até que eu apareci. 
Carregando comigo toda essa carga de intensidade, aventura e adrenalina. 
No inicio ele gostou! Aquela velha história dos opostos que se atraem.
E Eu era o oposto perfeito: sarcástica, humor ácido, fazia piada de tudo e deixava esse negócio de politicamente correto pros mais hipócritas.
Confesso que era um pouco arrogante e sem paciência, não media palavras, e era grossa as vezes.
Isso o encantou.
Ele se sentiu atraído por aquela menina má.
E a ironia disso tudo é que os mesmos motivos que o atraíram, estavam agora o fazendo partir.
Ele olhou pra trás , com lágrimas nos olhos, antes de
bater a porta com força e sair.
Do quarto eu escutava o barulho das rodinhas de sua mala, cada vez mais longe, até desaparecer por completo.
Quase nunca choro. 
Dessa vez chorei.
Eu o amava! Sempre amei!
Só nunca soube demonstrar amor.
Mas agora era tarde demais.
Tudo acabado! Três anos de felicidade, lutas e sonhos . 
Tinhamos conquistado um cantinho só nosso e uma rede na sacada. Era tudo o que sonhavamos, lembra?
Quem diria que nossos sonhos virariam meu pesadelo!
Nosso apartamento pequeno e aconchegante,de repente ficou enorme, frio,um labirinto sem fim.
E eu ali, sem ter pra onde fugir. Em cada canto tinha um pedacinho nosso.
E no guarda-roupas vazio, estava a terrível realidade de que agora não existia mais "nosso", muito menos nós.
Só existia eu, sangrando por dentro, perambulando pelos cômodos com um copo de vinho e um cigarro.
Ainda podia ouvir nossas risadas, e o som alto, de quando tirávamos o fim de semana para arrumar o nosso "Apertamento".
Varriamos, limpavamos, esfregavamos ao som de mamonas assassinas ou outra banda legal,fazendo passinhos ridiculos, tomando cerveja e rindo até a barriga doer.
Para o espanto de nossas mães, conseguiamos deixar tudo arrumadinho. 
Dividiamos as tarefas.
Aliás, era seu dia de lavar a louça.
Mas você foi embora, me deixando com o coração em frangalhos e uma pia de louça suja.
No auge do desespero saí feito doida, quebrando tudo, todas aquelas coisas que um dia escolhemos juntos com tanto carinho. 
Não fazia mais sentido, não existia mais nós. 
E agora, tambem não existiam louças pra lavar.
Só existiam cacos.
Pedaços dos nossos sonhos , do meu coração e das porcelanas que sua tia nos deu de presente,
jogados pelo chão do tão sonhado apartamento. 
Eu estraguei tudo outra vez,pra variar. 
Você bem que tentou me mostrar as estrelas, mas eu estava ocupada demais olhando pro meu próprio umbigo.
Neste dia, me odiei por ser uma filha da puta egoísta e mimada, que perdeu o cara mais incrível do mundo.
Chorei abafando os soluços com um travesseiro.
Você sabe ,sempre odiei demonstrar fraqueza.
Quase nunca dizia eu te amo, e se dizia era bem baixinho pra mais ninguém ouvir. 
Demonstrar sentimentos nunca foi meu forte.
Mas a vida precisava continuar.
Gastei a metade do meu salário em maquiagem pra disfarçar a tristeza, a dor e as olheiras.
E acho que consegui.
Ninguém percebeu que eu tinha perdido um pedaço meu. 
Prometi pra mim mesma que iria tentar mudar, ser uma pessoa melhor,menos sarcástica, enfim, uma boa garota.
Então a outra metade do meu salário gastei com livros de autoajuda e terapias.
E acredita que tava funcionando?
A dor estava cada dia menor e eu me sentia mais madura.
Dia desses, a Dona Jerusa, aquela nossa vizinha fofoqueira, escorregou no tapete e rolou escada abaixo. 
E eu nem ri na frente dela! 
E olha que foi uma das cenas mais engraçadas que eu ja vi.
Mas rir de velhinhas fofoqueiras rolando escada abaixo é errado né? E eu queria ser uma boa garota. Então engoli o riso.
Meu terapeuta se orgulhou de mim.
Pensei até mesmo que estivesse curada, e seria daqui pra frente tudo que você sonhou: meiga, boazinha, e fofa.
Até que numa noite dessas te vi na rua com sua nova namorada.
Você que vivia dizendo que queria um relacionamento leve... namorava uma garota que pesava uns cem quilos. 
Você que tanto reclamava das minhas grosserias...
namorava uma garota que tinha as sobrancelhas mais grossas que eu de Tpm.
Nossos olhos se encontraram, quase pude ouvir as batidas do seu coração. Você ainda me amava.
Eu também te olhei, coração acelerado. 
Que saudade! Tive vontade de te contar que agora eu era uma boa garota.
Só que dai, olhei sua namorada. Ela era mais pesada que minha consciência, vestia um vestido de babados e usava batom snob.
Foi mais forte que eu.
Não disse nada.
Mas aquele sorriso arrogante que você sempre odiou , reapareceu no meu rosto e falou por mim.
Dei um tchauzinho com a mão,e mandei um beijo que escorria ironia e sarcasmo.
Lembrei da velha frase: "Boas garotas vão para o céu, as más vão para onde querem". 
O céu ia ter que esperar, liguei pro meu terapeuta marcando outra consulta pra semana que vem.
E já que eu ainda poderia ir para onde quisesse,resolvi chamar uma amiga para tomar um porre e fazer piadas das sobrancelhas da sua nova garota.