quarta-feira, 20 de abril de 2016

O filho do vento


Saco cheio, era essa a palavra. Minha vidinha perfeita de comercial de margarina simplesmente escorreu pelo ralo.
De uma hora pra outra.
Meu pai estava querendo largar minha mãe por outra mulher, meu avô que sempre foi meu porto seguro foi diagnosticado com uma doença terrivel, e pra coroar meu inferno astral , meu namorado resolveu simplesmente terminar comigo por whatsapp. Sim! Quatro anos de namoro tiveram seu fim com desculpas esfarrapadas e emoctions tristes.
- Sinto muito- ele terminou a conversa.
Eu tambem sentia. Mas não respondi nada.
Nesse momento escuto os berros dos meus pais. Era demais pra mim.
Saí sem rumo. Queria sumir, me desfazer ate desaparecer da face da terra.
Entrei em  um bar e pedi uma dose de vodka pura.Eu precisava afogar essa dor.
Enquanto bebia,  tentava segurar o choro .
   Foi quando ele entrou no bar.
 Sujo e maltrapilho, parecia um mendigo. Porém, e por mais estranho que possa parecer, tinha porte de rei, postura confiante, olhar sereno de quem sabe das coisas.
Comprou e pagou por uma garrafa de vinho. Já ia saindo quando me viu.
Olhou  fixamente meus olhos Como se analisasse minha alma, veio em minha direção.
Devia ter seus cinquenta anos, porém era forte e o eu censurei mentalmente por ser mendigo , com tanta força pra trabalhar.
Já ia tirar moedas do bolso, quando ele sorriu e disse:
-Pode guardar seu dinheiro moça, não estou precisando no momento.-Sorriu mostrando a garrafa.
    Fiquei sem graça e irritada. Só o que me faltava agora esse mendigo tirar onda comigo.
   - O que você quer de mim então? Se não quiser nada, me deixa em paz, que hoje minha paciência está abaixo de zero!
    Assim que terminei , assustei-me com minhas proprias palavras.
  Coitado ! Ele não tinha culpa da minha vida ser uma droga.
Não consegui segurar mais o pranto, caí no choro no meio do bar mesmo. atraindo olhares das pessoas que ali estavam.
- Desculpa moço! Eu não estou em um dia muito bom.
- Não tem problema filha, só queria saber se você está bem.
- Eu estou triste, revoltada, desiludida, eu estou tudo, menos bem se é o que você quer saber.
  Neste momento chega o garçom:
-Esse mendigo ta perturbando a senhorita?-antes que eu conseguisse responder, virou-se para o homem- Sai daqui se não quiser que eu chame a Polícia!
 O mendigo abaixou a cabeça, não consegui enxergar ódio pela humilhação, muito pelo contrário, encarou o garçom como se tivesse pena dele ser um imbecil preconceituoso, depois olhou pra mim com uma ternura e serenidade tão grande que senti um calorzinho envolvendo minha face, falou:
- Tudo na vida passa moça pode confiar! - Virou as costas e saiu.
   Eu fiquei ali naquela mesa, pensativa, alguma coisa naquele homem me intrigava, as pessoas me olhavam curiosas, resolvi pagar a conta e sair terminando de bebericar minha vodka em um copo descartável.
   Avistei-o em uma praça em frente ao bar, era um lugar bonito, muitos casais estavam alí aproveitando a magia das lindas flores e arvores para namorar.
Fui em sua direção, ele me olhava de forma indecifrável, mas de alguma maneira, sentia que podia confiar naquele estranho.
  - Oi! eu só vim pedir desculpas novamente pela minha grosseria e a daquele garçom babaca também,e agradecer por se importar- Disse meio sem jeito.
  - Não tem problema filha, Já me acostumei com esse tipo de preconceito, é o preço que eu pago pela minha felicidade.
Olhei para ele sem entender, que felicidade meu deus? O cara é um mendigo!
  Ele riu, olhou para mim e disse:
- Você deve estar pensando que eu sou louco por ser feliz ne?
Parecia que ele lia meus pensamentos, fiquei sem graça, já  ia balbuciar algo, mas ele continuou.
- Sabe filha, você deve olhar minhas roupas, meus pés descalços e me achar um miserável, mas te conto que sou o homem mais rico do mundo! Tenho tudo que quero e preciso, moro em uma mansão! Minha casa é o mundo inteiro. Existem comodos feios que a ganancia do homem destruiu, mas existem outros que são a maior riqueza que existe.
Só venho pra cidades quando preciso de dinheiro. Faço trabalhos gerais, cuido de alguns jardins, capino alguns lotes...
Nunca pedi esmola na vida- Falava pausadamente , sua voz era a mais linda das melodias- Preciso de pouca moeda, só para o básico mesmo! As vezes me permito alguns luxos, sorriu oferecendo o vinho, mas vícios não tenho.
 Aceitei o vinho, e ele encheu meu copo. Eu estava hipnotizada, as palavras daquele maltrapilho tocavam as profundezas de minha alma. Ele continuou falando enquanto eu bebia cada palavra sua, misturadas ao vinho.
- Eu já fui pobre, muito pobre! - bebeu lentamente um gole de vinho e continuou- Meu pai era um fazendeiro no interior de minas gerais, plantava café. Mas o que tinha de moeda faltava de caráter. Era um verdadeiro tirano, batia em minha mãe, e a coitada não reclamava. Ela também vivia de aparencias e possuia varios amantes. Meus irmãos só pensavam em dinheiro e viviam para lucrar, muitas vezes explorando o trabalho dos pobres empregados de meu pai- Fechou os olhos como se voltasse no tempo, um tempo distante e doloroso - Aquilo não era pra mim! Eu queria mais! Uma noite fugi, só com esse saco que carrego, com algumas mudas de roupa, uma cabaça de água e um pedaço de pão.
Fui atrás da riqueza verdadeira, de um lugar melhor pra viver, e percebi que  eu queria era o mundo inteiro, eu queria voar!
 Hoje moro aqui nessa mansão chamada planeta terra!
  Eu estava emocionada.
Ele sorria com uma felicidade que jamais vi na vida, e continuou:
- Nessas minhas andanças, conheci os mais lindos jardins, tive o céu como teto, as estrelas e a lua como luxuosos lustres e a liberdade como religião.
Volta e meia encontro uma cachoeira e me purifico.
Gosto do silêncio da minha própria companhia, mas também gosto de cantar, ouvir os passarinhos e o barulho das águas.
O vento é meu pai, ele que me guia pelos caminhos.
 Nunca tive uma esposa ,mas também sou rico de amor, Deus não teria criado essa beleza toda que é a natureza se ele não amasse a gente, moça.
As vezes dou um doce para uma criança pobre ou ajudo alguém que precisa. Eles me sorriem com amor.Eu tenho todo amor que preciso!
 Nunca sentei em uma cadeira de escola,mas aprendo com cada árvore, com cada batida do meu coração. Aprendo com os ciclos da natureza e sei que esse é meu maior aprendizado. Tudo passa filha! As vezes caem umas tempestades que até as árvores mais fortes ficam com os galhos quebrados, Mas aí a chuva passa, vem o sol, vem o arco-iris de brinde, e elas se regeneram e ficam ainda mais formosas.
A vida da gente é assim também, feita de ciclos- me olhou com ternura antes de prosseguir- Percebi que até nos pântanos mais escuros nascem flores , e elas não se importam com o feio que está ao redor delas, elas têem a liberdade de ser quem são, flores lindas, que deixam os pântanos um pouquinho menos feios.
parou de falar e ficou quieto me observando, olhava meu rosto banhado em lágrimas, me abraçou forte, e eu me senti tão amparada e leve como não sentia desde a infância.
   -Agora eu tenho que ir filha o vento tá soprando pro lado de lá! Não esquece que você é uma árvore linda e forte, e vai sobreviver á tempestade. Tenha fé.
   Dizendo isso o filho do vento me deu um ultimo sorriso e partiu.
Foi embora junto com o pai.
Nunca mais encontrei o filho do vento As vezes me pergunto se ele não foi uma fantasia da minha mente , ou da vodka, mas suas palavras, encontro todo dia, ficaram gravadas em mim, Elas me ajudam a suportar as tempestades com mais serenidade sabendo que depois vem o sol, e o arco-iris de brinde.